Onde?

- O que você não entende é que as muitas mortes pelas quais eu passei foram todas necessárias. Todas elas foram únicas e ao mesmo tempo iguais. No fundo, no fundo é apenas uma respiração que se extingue. Apenas 21 gramas perdidas. Apenas um músculo que perde a tonicidade. Apenas o fim.

Eu sei, eu sei... aí você vai dizer que não foram mortes reais. Que foram apenas simulacros de morte... simulação... será? Admitir isso seria dizer que ainda vivo. Admitir isso seria dizer que todas as vezes que você chorou por uma morte inexistente foi fingimento também. Você chorou, não chorou? Eram lágrimas verdadeiras as que você dizia derramar por minha causa?

Mas, se eu não morri, onde é este lugar que me encontro agora? Que limbo é este que habito? Quem são essas pessoas que me olham com certa curiosidade? O que elas querem de mim? Porque eu não consigo parar de falar? Existe alguém que ouve isso? Por quê?

O que você não entende é que as muitas mortes pelas quais eu passei foram todas reais. Todas deixaram marcas que me acompanham eternamente. E as cicatrizes que eu levo são de muitos homens e mulheres. São de uma infinidade de gente que teve uma infinidade de mortes. Não é fácil ser muitos. Assim como não é fácil ser um só.

Eu sei, eu sei... você vai dizer que a escolha foi minha. Que fui eu quem optou por este caminho... escolha...será? Admitir isso seria dizer que senti certo prazer em causar toda essa dor. Admitir isso seria dizer que você sentiu uma dor que na verdade nunca existiu. Você sentiu dor, não sentiu? Era verdadeira a dor que você dizia sentir por mim?

Mas, se eu não sou muitos, quem sou eu? Quem eu sempre fui, tentando querer ser outro? Quando as pessoas me olham, quem elas vêem? O que elas querem enxergar em mim? Porque eu não consigo parar de falar? Existe alguém que ouve isso? Por quê?

Tem alguém aí?
Tem alguém aqui?