Coisas e Coisas
Amélie
Já viu uma jornalista tímida? Prazer, sou eu. Um dos mais belos exemplares da espécie. Meu nome é Mariana, mas pode me chamar de Amélie. Amélie Poulain. Escolhi ser jornalista porque gosto de observar pessoas, seus movimentos, a cidade. Mas não curto falar, me aproximar demais, interagir, fazer perguntas. Ok, eu sei que você vai dizer que jornalista tímido deveria nascer morto, mas eu prefiro o meu mundo seguro.
Meu mundo seguro é o meu blog. É nele que eu falo das minhas observações. Das pessoas, seus movimentos, da cidade. Ou melhor, não falo, escrevo. É minha conexão com o tal mundo externo. As pessoas me leem e, vez ou outra, deixam lá um comentário. Sei que minhas palavras podem ajudar as pessoas. E eu gosto de ajudar as pessoas.
A proposta da minha amiga me deixa, claro, preocupada. Ou melhor, me deixa desesperada. Repórter? Sei. Fazer perguntas? Sei. Olhos nos olhos do entrevistado? Sei. Logo agora que eu estou quase curada das minhas crises de pânico, ela me vem com essa. É lógico que ela sabe que eu estou precisando de grana. Salário razoável? Sei.
Ser repórter de verdade é um puta desafio para mim. Lembra o dia em que tive de ler um poema em voz alta. Acho que na 5ª série. Além de escrever, agora vou ter que falar. Posso pular esta segunda parte? Não, não posso.
Uma coletiva de imprensa. Melhor que a estreia seja assim, porque vai ter um monte de gente na sala e eu posso só ouvir e sumir sem ser notada. Só três pessoas? Coletiva com só três repórteres? Pausa para a taquicardia. Exercícios de respiração. Quero meu mundo de volta! Pedem para eu começar e eu... (mais exercícios de respiração) pergunto! E o cara responde. E eu faço uma segunda pergunta e essa coisa de estabelecer diálogo com um estranho me deixa eufórica. Lembrou meu primeiro selinho. Na 7ª série. Ou 8ª, sei lá.
Um repórter mais velho disse certa vez que dor de barriga faz parte do ofício. Que ansiedade é coisa boa de viver. Que até o povo experiente passa por isso. Ok, eu tô curtindo conhecer o mundo real, mas confesso que tinha orgulho de ser tímida. Ou melhor, tinha um puta orgulho. Um dos mais belos exemplares da espécie.
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