A TELENOVELA SEGUNDO VERÓNICA POLICARPO
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A TELENOVELA SEGUNDO VERÓNICA POLICARPO



[roteiro da minha aula de hoje de Públicos e Audiências]

A perspectiva de Verónica Policarpo - no livro Viver a telenovela. Um estudo sobre a recepção, a apresentar hoje ao fim da tarde na Universidade Católica - constata-se logo nas primeiras páginas. Para ela, interessa investigar se, na sociedade portuguesa, homens e mulheres apresentam diferenças significativas na sua apropriação da telenovela. A autora parte do princípio que, ao longo da vida, os actores sociais constroem uma grelha de valores. Além disso, a situação conjugal (casados, divorciados) marca uma trajectória de análise.

Adaptação da dissertação de mestrado defendida na Universidade de Coimbra, Verónica Policarpo destaca, na revisão da literatura (cap. 1), os conceitos: 1) família, como contexto mais indicado para estudar as práticas de recepção da televisão, 2) o que influi na leitura da novela: meio social, género, trajectória familiar, apropriação.

Uma novela brasileira é: 1) produto que se destina essencialmente a preencher o imaginário do seu público, com a exploração das emoções (rir, chorar), 2) aproxima a especificidade da narrativa ao tempo real do quotidiano, 3) diferencia-se das suas congéneres de outras nacionalidades, em termos de: a) duração (média: seis meses) e estrutura narrativa, b) com conteúdo sem o retrato fantasista de um mundo perfeito, mas pela representação da vida ordinária e quotidiana, com temas relacionados com política, história do Brasil (caso da novela que analisou), desigualdades sociais, e c) qualidade técnica (cenários, acessórios e adereços, filmagens requintadas de exteriores) e de actores e direcção artística. Além disso, a telenovela é "uma forma narrativa, um léxico e uma semântica para [os telespectadores] construirem a sua própria história, a sua própria vida" (p. 125).

No caso da novela Terra Nostra, objecto de estudo em termos de recepção, há uma inter-relação com assuntos da esfera pública, crise político-económica, imigração de italianos para o Brasil, recessão do país no período pós-escravatura, assuntos da vida privada. Uma telenovela apresenta características específicas, nomeadamente o facto de ser emitida diariamente, em horário "familiar", simulando o tempo real da vida quotidiana (p. 41). Pelo horário em que é emitida, a família surge como contexto provável da recepção da telenovela. A autora faz as seguintes perguntas: qual a função que a novela desempenha no seu dia-a-dia, com quem assiste, costuma trocar ideias com alguém sobre o que vê, qual a sua motivação para seguir as suas histórias?

[nos vídeos, apresentação do livro feita por Isabel Férin e parte do agradecimento da autora, hoje ao fim da tarde. A presidente da mesa foi Isabel Gil, da Universidade Católica]



A televisão é vista como "companhia", muitas vezes servindo mais para ser ouvida do que vista, substituindo a rádio. A telenovela preenche uma necessidade identificada pela perspectiva dos usos e gratificações como de âmbito das relações pessoais: a companhia. Assim, em muitos lares a televisão permanece ligada quase todo o tempo em que há pessoas no lar. Desempenha, para além do papel de lazer, o preenchimento de espaços "vazios".

A telenovela pode também assumir o papel tradicional de contador de histórias. Os entrevistados da autora preferem novelas brasileiras devido à qualidade das interpretações e dos actores, com uma clara preferência pelas urbanas e actuais. Dos principais usos da novela, destacam-se a aproximação do tema à realidade do dia-a-dia, à socialização das audiências, à aprendizagem das regras da vida em sociedade e a determinados estilos de vida. Os principais motivos para seguirem uma telenovela são: horários de emissão, se coincidem com a hora de jantar, falta de programação satisfatória nos outros canais, nos mesmos horários, estratégias de programação, cenários e adereços, publicidade da imagem, construção de ambientes sociais e históricos, elemento de distracção e entretenimento. A autora detecta uma confusão entre actores e personagens por parte de alguns espectadores. Nalguns casos, a telenovela aparece como desempenhando uma importante função de utilidade social, pois ela surge como fonte de conversa. A telenovela também parece preencher necessidades de identidade pessoal, em que os indivíduos comparam a história da novela com a sua própria experiência social.

A novela surge ainda como fonte de reforço e aprendizagem de dados valores, familiares, cívicos, dentro das necessidades de reforço de valores. Género e trajectória de vida são duas marcas essenciais na recepção da novela. A construção de valores, representações e práticas são analisadas através de três dimensões da trajectória – individual, familiar e histórica. Os efeitos da trajectória familiar são atravessados pela experiência de género. Assim, cada entrevistado coloca-se face a três eixos fundamentais: 1) tema e narrativa da novela, 2) propostas relativas às relações de género, 3) propostas relativas às relações familiares.

Quanto à estrutura narrativa de uma novela, Policarpo adianta que uma coisa é como os produtores nos contam uma história e outra, diferente, como os seus entrevistados a contam. A história da novela pode ser contada através da vida de quem fala à autora. Assim, as mulheres casadas vêem-na com distância e contenção, 2) as mulheres separadas com amor romântico, espontaneidade e emoção, 3) os homens casados com desvalorização do conteúdo enquanto prática de distinção, 4) os homens separados com amor e emoção na apropriação da telenovela. As entrevistadas divorciadas manifestam alguma condescendência em relação à novela, enquanto produto televisivo inferior e alienante. A trajectória familiar (casados ou divorciadas) tornou-as espectadoras mais ou menos competentes para interpretar os conteúdos das novelas. Quanto mais complexa é a sua trajectória mais instrumentos têm ao seu dispor (p. 57).


A relação conjugal determina a apropriação: para as mulheres casadas, é corolário de consenso e estabilidade; para as divorciadas, há a aceitação da "fuga" à norma da vida do casal (p. 123). Os entrevistados casados revelam-se mais sensíveis à inverosimilhança histórica, com um sentido crítico da narrativa, como as mulheres casadas.

Registo ainda o modo como os homens entrevistados vêem a representação feminina nas novelas: activas e empreendedoras, apesar de frágeis. Isto pode ser provocado pela redefinição de papéis sexuais na sociedade portuguesa, com as mulheres a terem maior autonomia profissional e financeira. E também a relação dos homens com os filhos: se é rapaz, a relação é de cumplicidade; se é rapariga, exige-se respeito. Aliás, há uma família de pais e três filhos na presente série de Morangos com açúcar que ilustra a definição de Verónica Policarpo: o pai permite que o filho saia de casa todos os dias à noite, o que procura vedar à filha mais velha, embora esta conteste a situação (a mais jovem ainda não tem força para se opor ao pai).

Leitura: Verónica Policarpo (2006). Viver a telenovela. Um estudo sobre a recepção. Lisboa: Livros Horizonte




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